"Depois das viagens, estive quase paranóico. Vi monstros horrendos nas pessoas, me senti perseguido e encurralado, aí me tranquei em casa, e, cada vez que saía, era um suplício - voltavam as ondas do sunshine e eu achava que as pessoas iam me morder, rir de mim, um inferno. Quando melhorei um pouco, tentei sair e procurar alguns amigos, mas não consegui nenhuma integração com eles. Fiquei surpreendido com o grau de vampirização das pessoas: todas elas preocupadíssimas em falar, falar, falar, extrair opiniões, orientações, dicas, dizer coisas inteligentíssimas, mostrarem que não são caretas, que não tem medo, que não sentem dor. Cada contato meu com alguma pessoa representava uma perda enorme de energia vital.: eu saía esgotado, confuso, com dor de cabeça e, principalmente, com dor por não poder fazer nada pelo desespero alheio. A minha própria miséria aumentava. Foi aí que a solidão deixou de ser involuntária para se transformar em escolha. E foi bom, está sendo bom. Passo dia lendo, ouvindo música, vendo velhos filmes na TV, de vez em quando vou ao cinema ou saio para passear na beira do rio que passa atrás do edifício. Fico lá sentado numa pedra, fumando e pensando nas pessoas que perdi, senão em afeto, pelo menos em proximidade física. De vez em quando choro, é bom chorar, eu não tenho vergonha, mas em todos os momentos existe a certeza de ter feito uma escolha acertada, de estar caminhando em direção à luz. Não nego nada do que fiz, também não tenho arrependimentos ou mágoas: eu não poderia ter agido de outra maneira - mesmo em relação a você - levando em conta o quanto eu estava confuso naquela época. Também já não tenho mais aquelas queixas infantis, na base do 'tudo dá errado pra mim', ou autopunições como 'eu sou uma besta, faço tudo errado'. Nada é errado, quando o erro faz parte de uma procura ou de um processo de conhecimento. Gosto de olhar as pedras e os desenhos do vento na superfície da água, gosto de sentir as modificações da luz quando o sol está desaparecendo do outro lado do rio, gosto de sentir o dia se transformando em noite e em dia outra vez, gosto de olhar as crianças brincando no corredor de entrada e das palmeiras que existem no meio da minha rua, gosto de pensar que vou sempre ter olhos para gostar dessas coisas, e por mais sozinho ou triste que eu esteja vou sempre ter esse olhar sobre as coisas. Não sei muito, também não tenho muito, também não quero muito, mas estou aprendendo a respirar o ar das montanhas".
Nenhum comentário:
Postar um comentário