Os cigarros me fumam, você me consome e o meu corpo se auto expele gradativamente, cuspindo-se para fora em uma viscosa teia marrom-esverdeada munida de pequenas farpas indigestas, formamos a serpente que come a sua própria cauda, eu devorando a sua tão minha carne crua, voraz, sem pena, prossigo devorando até o momento de refluxo inevitável, eu me destruo, eu nos saboto, eu acendo velas em fileira próximas à cortina e ao álcool líquido, quero explodir nosso lar, quero abortar nossos filhos, quero assassinar você dentro de mim.
A vodca me bebe, você me embebe em vinho tinto e as minhas pernas empurram fortemente os seus quadris para longe e os envolvem logo em seguida para perto, batendo, latejando, enquanto você sua salgado e se lambuza de luxúria branca e barata, o meu prazer se confunde com aquilo que costumam dizer amor, afeto, qualquer expressão suficiente para transformar libido e gozo em um casaco ralo de lágrimas, porque você é um espinho travando a minha garganta e eu sou o plástico cobrindo a sua cama, eu incendeio, humilhado, o seu corpo encima do meu.
As lágrimas me choram, você me afoga e a sua língua é um cubo de gelo trilhando toda a superfície do seu corpo, marcando, rija e queimando, ardendo no seu sangue que ferve e me derrete, toda a sua sem-vergonhice me quebra em milhões de pedaços, cristais de neve que evaporam em sauna, que se perdem quando os seus braços maduros me envolvem feito brotinho desprotegido, desmaiado na selva, indefeso, eu inalo essa mentira, eu me entrego, eu me piso e me rebaixo, eu me estendo no chão para você montar, fecho os olhos, procuro as suas mãos.
As dores me sofrem, você me comprime no papel embolado e eu vou amando o seu riso na medida em que sei que deveria odiá-lo e me desfazer de todas essas malas, de todo esse calor nos meus bolsos de inverno, desenho a sua cabeça, escorro veneno, desejo a sua morte, desejo a morte dele, reza, macumba, você é meu membro, minha mágoa, eu sou seu amante de final de semana, quero cegá-lo de desejo na incapacidade de consegui-lo inteiro, completo e amarrado, você a perna gangrenada, ainda tenho o sonho de caminhar, mas devo amputá-la.
O ar me respira, você me come e o seu corpo dolorido e cansado procura paz e quentura, não quero roubá-lo, quero apenas tatear o nosso leito na penumbra, sentir a sua presença estrídula, cercando-me, mil olhos, mil bracos, mil pernas me envolvendo, salvando-me, mas eu vou escorregando as mãos por uma rocha, abro os olhos e só vejo uma parede cinzenta, a cama já fria, o quarto vazio, minha alma em vácuo, minha vida em cacos de vidro, não canso de devorar e expelir essa minha cauda de serpente, destruir meus tetos, abortar meus filhos, enterrar meus amantes.
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