Vou envelhecendo precocemente, preso na jaula do tempo, prisão em casca, idéia alguma, o corpo apodrecendo vivo, as mãos tremendo, a fumaça pelo ar da sala em penumbra, o teu olhar frio para as minhas cicatrizes, o teu risinho sarcástico para o meu padecimento, a minha cabeça prestes a explodir, aquela lembrança dos teus doces lábios, agora amargos, do vento frio até a espinha, o teu coração palpitando vindo até mim, carne a carne, pele a pele, pêlo a pêlo, formando um único corpo, e agora duas pedras, dois carvões, um longe do outro, cada qual com a suas marcas de vida, com as suas delícias, prazerzinhos ordinários corriqueiros, prelúdios da morte, sou o viver morrendo e tu não és mais capaz de me amar, tal qual fazias no passado, comias das minhas migalhas esparramadas por aí, colhias o alimento puro da minha boca, sorvias a minha doçura de mel, tecias a tua teia de areia insatisfeita. Agora tu me vomitas completamente e eu me esparramo pelo solo.
Por que estou assim, tão duro? Sabias que a verdade está escrita na parede? Textura de tinta velha, fendas, fissuras, os tijolos todos desmoronando em mim, e o poema pichado se desfazendo, aos poucos, tal qual o meu desejo de ainda estar vivo. A chuva fina borrou os traços de minha face, estou me tornando cada vez mais anônimo, cada vez pertenço menos. Vou me escondendo de ti e tu não tentas mais me encontrar.
Quando você falava, F, nas minhas costas - é claro -, acerca de bancar um "artista torturado", ou que suicídio seria aparecer demais, bem, o que não é aparecer? E se eu tivesse forças, já haveria arranjado uma belíssima morte para mim, sem muita dor, nem muito glamour, acho que morte tem que ter cara de morte mesmo, e quanto a ser um artista, acho que nem isso eu sei interpretar, o mundo está perdido, a roda gigante doida por aí, e eu mais doido ainda fora dela.
(suspiros)
(pânico)
(pânico)