quinta-feira, novembro 04, 2004

fragmento.

"Muitos anos de sua existência gastou-os à janela, olhando as coisas que passavam e as paradas. Mas na verdade não enxergava tanto quanto ouvia dentro de si a vida. Fascinava-a o seu ruído - como o da respiração de uma criança tenra -, o seu brilho doce - como o de uma planta recém-nascida. Ainda não se cansara de existir e bastava-se tanto que ás vezes, de grande felicidade, sentia a tristeza cobri-la como a sombra de um manto, deixando-a fresca e silenciosa como um entardecer. Ela nada esperava. Ela era em si, o próprio fim.Uma vez dividiu-se, inquietou-se, passou a sair e a procurar-se. Foi a lugares onde se encontravam homens e mulheres. Todos disseram: felizmente despertou, a vida é curta, precisa-se aproveitar, antes ela era apagada, agora é que é gente. Ninguém sabia que ela estava sendo infeliz a ponto de precisar buscar a vida. Foi então que escolheu um homem, amou-o e o amor veio adensar-lhe o sangue e o mistério.
(...)
Juntou todos os seus pedaços e não procurou mais as pessoas. Reencontrou a janela onde se instalava em companhia de si mesma. E agora, mais do que sempre, nunca se vira uma coisa ou uma criatura mais feliz e mais completa. Apesar de muitos a olharem com complacência, achando-a fraca.
(...)
Nada do que lhe diziam importava, assim como os acontecimentos, e tudo deslizava sobre ela e ia perder-se em água outras que não as interiores."
"Perto do Coração Selvagem - C.L."

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